Fundamentalismo Islâmico

Em um mundo repleto de tensões, envolvimentos em conflitos, padrões duplos e julgamentos apressados, fica difícil propor critérios específicos com relação aos vários problemas intelectuais que ocorrem e estudá-los cuidadosa e imparcialmente.

Um termo problemático, por exemplo, é "fundamentalismo" islâmico (ou muçulmano), uma palavra que carrega em si, conotações cristãs e uma associação com o conflito entre a Igreja e outras filosofias durante o século XVII.

O objetivo deste conflito, existente há longo tempo, foi vencer o argumento intelectual e religioso daquele tempo e assentar o violento choque entre o poder temporal e religioso na Europa. O resultado foi o triunfo do poder temporal e a limitação e redução do papel e influência da Igreja.

Para a mente ocidental, fundamentalismo significa uma rejeição à modernização e ao novo, acoplado a uma mentalidade dogmática.

Mais comumente, representa uma atitude psicológica e mental oposta à ciência e à reforma. Esta impressão surgiu quando o fundamentalismo cristão era visto como se opondo à ciência e à inovação e perseguindo cientistas e intelectuais, com base em acusações frágeis, argumentos falsos e princípios dogmáticos irracionais.

A Igreja impôs um regime intelectual brutal que incapacitava a mente e todo o esforço intelectual e científico. A Religião se tornou monopólio da Igreja, elevando o clero humano à condição divina e forçando homens a um sistema desumano de celibato, advogando idéias e opiniões sem base na lógica e no senso comum.

A Igreja interferia em todos os assuntos científicos, concedia indulgência aos pecadores e instituiu e conduziu a Inquisição. A expansão deste estilo ocidental de "fundamentalismo" levou ao surgimento de filosofias e movimentos contra a Igreja, tais como a Reforma e o Iluminismo.

Ao se opor à pesquisa científica e à invenção, e perseguir cientistas e intelectuais, a Igreja distorceu e minou os verdadeiros fundamentos da religião, relegando-a a um monte de dogmas e mitos. Esta forte reação contra a Igreja, contribuiu para o alargamento do fosso entre a religião e a ciência, não somente por razões meramente científicas, mas, também, psicológicas e filosóficas.

A Igreja, de sua parte, procurou representar todas as religiões e isto levou a uma distorção das noções religiosas independentemente de seu conteúdo, idéias ou princípios.

Contudo, apesar das diferenças mínimas no significado do termo "fundamentalismo", no Ocidente e no Islam, o pensamento ocidental permanece prisioneiro de sua experiência histórica e de seu longo conflito com o fundamentalismo cristão.

É esta visão paroquial que o Ocidente está tentando, agora, aplicar ao Islam, admitindo uma atitude da Igreja com relação ao poder temporal no Ocidente. Isto, é claro, não tem base na verdade ou na realidade, porque o "fundamentalismo", de acordo com o Islam, é o exato oposto ao daquele existente no Ocidente.

Muitos pensadores ocidentais estão, na verdade, conscientes disto, mas eles escolheram ignorar o fato por muitas razões, inclusive por causa da profunda hostilidade ao Islam e da sua imagem distorcida, promovida por orientalistas de várias gerações e, mais recentemente, em razão das alegações de que, com a queda do comunismo, o Islam emergiu como um novo inimigo. Os escritos de Samuel Huntington são típicos desta tendência.

Conseqüentemente, o Ocidente tem muito da responsabilidade por fortalecer o entendimento do "fundamentalismo islâmico" como nos mesmos moldes do fundamentalismo cristão do século XVIII. O orientalista alemão, Redolf Peters, escreve:

 "É necessário criticar nossa imprensa porque ela vai longe para vender um falso conceito, repetindo o entusiasmo excessivo visto durante a Guerra Fria, em relação ao inimigo presumido. A imprensa usa o fundamentalismo para atrair leitores porque, por um lado adota a violência e o terrorismo e, por outro, discorda. No conflito com o Ocidente os jornalistas podem ter boas intenções, mas, não podemos nos esquecer de que aqueles mais próximos dos círculos políticos têm um capital investido na manipulação e condução da opinião pública.

"Mesmo jornalistas objetivos, encaram obstáculos profissionais quando cobrem assuntos islâmicos. Os editores estão depois das notícias e, qualquer esclarecimento ou comentário moderado, não são considerados notícia e não atrai leitores!"

Este é, sem dúvida, um problema de abordagem e uma "crise de objetividade" que está acontecendo no Ocidente, o qual, solidamente democrático e liberal como o é, deve permitir considerações mais leves e visão mais realista de tal fenômeno.

É claro que toda experiência humana tem seu passado, suas raízes e suas causas, e deve, portanto, ser tratada em profundidade; caso contrário, todo o problema se transforma em crise, sem solução sob qualquer ângulo.

Este recuo do "impasse da objetividade", como Borhan Ghalioun chama, refletiu-se no trabalho do orientalista francês, Maxime Rodinson, intitulado "A Fascinação do Islam", no qual ele aponta como, a partir do século XVII, o Islam, diferentemente do cristianismo, foi visto no Ocidente como o epítome da tolerância e razão.

O Ocidente ficou fascinado pela ênfase do Islam no equilíbrio entre a adoração e as necessidades da vida, e entre a necessidades morais e éticas e as necessidades corporais, e entre o respeito ao indivíduo e a ênfase sobre o bem-estar social.

Em seu confronto com o cristianismo, intelectuais ocidentais salientaram o papel reformista do Islam e a racionalidade de suas crenças religiosas.

Mas, como Dr. Ghalioun diz, foi somente a partir da segunda metade do século XIX, que os europeus começaram a olhar para o cristianismo como uma força de progresso e conquista na Europa e para o Islam como uma causa de estagnação e retrocesso no mundo arábico-islâmico.

Em lugar de usar o Islam como um modelo para uma religião civilizada e racional em sua luta contra o cristianismo "bárbaro e fanático", o panorama modificou-se completamente para projetar o Islam como um epítome de barbarismo que ameaçava o Ocidente.

A impressão que cresceu é que a Europa é o berço da civilização e que qualquer um que se oponha a ela é hostil à civilização e que o Islam, como uma cultura, civilização e uma sociedade é o principal, mas não o único, obstáculo que impede a expansão do Ocidente em direção ao sul e a outros continentes e culturas.

Lá emergiu uma necessidade por uma ideologia que galvanizasse a hostilidade em relação ao Islam e que a justificasse para os europeus e o mundo como um todo.

Deste entendimento rígido, veio o "fundamentalismo secularista" no Ocidente, que aceita somente suas próprias proposições e idéias. Deve-se dizer que, quando o Ocidente se voltou contra a Igreja, ele a despiu de todo seu autoritarismo e desalojou-a da posição proeminente que ocupava na sociedade.

No entanto, não abandonou completamente as aspirações papais e a disputa de que a Europa central seja o coração da civilização humana e da história.

Nem abandonou o desejo de eliminar "o outro", ou marginalizá-lo intelectual e culturalmente, e criar uma memória histórica mais recente, baseada no "ego" e na distinção do Ocidente sobre o resto; mental, cultural e etnicamente. Esta mentalidade persistiu, mesmo após a queda do poder papal e a emergência do secularismo.

Diz o Dr. Muhammad Abid al-Jabiri: "Cometeríamos um erro se pensássemos que o Ocidente está completamente livre de sua bagagem cultural e religiosa, racional e pragmática, porque se esta atitude está ainda ativa nas mentes fanáticas e na Igreja, por toda a Europa e América, ela é evidente nos elementos . . . seculares e liberais.

Esta herança cultural e religiosa continua a influenciar os jornalistas locais e os políticos que se encontram entre os liberas e secularistas." (A Questão da Identidade)

Em sua rivalidade com a Igreja, sobre a influência e o status social na sociedade européia, o secularismo tem buscado reviver a autoridade do clero, pela distinção e dominação, através da reivindicação da "globalização" e da singularidade do Ocidente, como também do ponto de vista dos próprios filósofos. Eles estimularam o colonialismo.

Este padrão duplo sobre parte do secularismo no Ocidente, tem, na mente de alguns, minado a credibilidade de suas alegações com relação à liberdade, tolerância e pluralismo democrático dos outros. Contudo, isto ainda não foi materializado de uma forma adequada.

Não é coincidência, mas antes conformidade intelectual, como Roger Garaudy se refere, que o maior campeão desta escola secularista, Julies Ferry, tenha sido também o maior incentivador da invasão colonialista de Madagascar, Tunísia e Vietnam. Ele era o teórico francês mais ardente do colonialismo, da mesma forma que John Stuart Mill o era na Inglaterra, e um estudante do positivismo de Auguste Comte.

Em seu discurso no Parlamento, em 27.07.1885, ele declarou: "Na verdade, nós sustentamos a política de expansão colonial, baseada em um sistema que consiste em três pilares: econômico, humano e político." Ele também disse: "Eu não devo hesitar em declarar que isto não é nem política nem história, mas metafísica política.

Deve ser dito, em voz alta e com a maior franqueza, que as raças mais elevadas têm um direito prático sobre as raças inferiores. (Fundamentalismos Contemporâneos)

Este "secularismo" seletivo produziu um tendência filosófica conhecida como "globalismo", baseada no monopólio da ciência e civilização e no isolamento dos outros que se oponham a seus dogmas ou, como o Professor Robert Solomons coloca, "a cultura da dominação".

Isto induziu o cientista inglês, Richard Webster a imaginar se é um processo retrógrado com vínculo coletivo, através do qual uma cultura velha espera reviver um pouco de sua infância; ou se é uma condição que permitiu ao secularismo deixar cair sua máscara de racionalidade, a fim de revelar sua verdadeira identidade, a qual, no fundo do coração, é uma identidade religiosa.

Webster acrescenta:

"Uma vez compreendida melhor nossa herança religiosa, começamos a duvidar se o secularismo, apesar da frustração da herança judaico-cristã, provou, de fato, sua superioridade. O que eu imaginaria é que se os valores religiosos não desempenham um papel importante na sociedade secular, isto não significa que ela os tenha abandonado ou marginalizado, mas seria a prova de sua penetração na mente do indivíduo e em nossa identidade secular, a um grau que não temos necessidade de mostrar externamente"! (Seminário sobre "Secularismo" - Londres, 1994)

O problema é, portanto, mais do que uma visão ingênua superficial ou emocional, e a proposição dupla em relação ao Islam estanca um passado, determinando que o estudante perca os critérios de exatidão e credibilidade.

Quando vem o "fundamentalismo", apesar das claras diferenças de entendimento do termo, o Ocidente continua a insistir em descrever o Islam como um fundamentalista e ligando a expressão ao velho conceito eclesiástico cristão.

Fundamentalismo no Islam, significa adesão ao modo de comportamento e aos valores de sua primeira geração, como compreendido e definido pelos primeiros muçulmanos através da ijtihad e da análise de suas regras e ensinamentos.

No Ocidente, contudo, fundamentalismo denota rigidez dogmática, oposto à ciência, inovações e modernização, uma atitude que é denunciada pelo Islam.

O Ocidente também tenta ligar o fenômeno contemporâneo da violência, do extremismo e do terrorismo com as origens do Islam e sua natureza interior, o que não é correto.

O Islam e seus métodos legislativos rejeitam a violência, o terrorismo e o extremismo, independentemente das razões que estejam por trás deles. Não é exagero dizer que o fenômeno moderno da violência é parcialmente devido à injustiça no Ocidente e aos padrões duplos, porque justiça e imparcialidade são os primeiros requisitos para a erradicação da violência e do extremismo.

O Alcorão ensina: "Não permita que seu ódio às pessoas o torne injusto. Seja amável; é o mais próximo de ser verdadeiramente consciente de Deus".

Fonte: islam.org.br

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