O Conceito Da Torah No Islam

''Revelamos a Tora, que encerra a Orientação e a Luz, com a qual os Profetas, submetidos à Vontade de Deus, julgam os Judeus; bem como os rabinos e os doutos, aos quais estava recomendada a observância e a custódia do Livro de Deus. Não temeis, pois, os homens, e temei a Mim, e não negocieis as Minhas Leis a vil preço. Aqueles que não julgarem, conforme o que Deus tem revelado, serão incrédulos.'' (Alcorão Sagrado, 5ª Surata Al Maidá, versículo 44)

Fazem-se duas acusações contra os Judeus:

1º- De terem mudado o sentido dos livros que possuíam, de forma a servir os seus interesses, porque temiam mais os homens do que temiam Deus;

2º- Que tinham somente fragmentos da primitiva Lei dada a Moisés (que a Paz esteja com ele), à mistura com uma considerável quantidade de temas semi-históricos, lendas e alguma boa poesia. A Torah mencionada no Alcorão Sagrado não é o Antigo Testamento, tal como nós o conhecemos; nem é, sequer, o Pentateuco; os primeiros cinco livros do Antigo Testamento, contendo a Lei e que se fundamentava numa grande quantidade de narrativas lendárias e semi-históricas.

Dada a freqüência com que a Tawrah (Torah) é citada no Alcorão Sagrado, torna-se conveniente clarificar as idéias quanto ao seu significado exato, vagamente, podemos dizer que se trata das Escrituras Judaicas, a Tawrah é mencionada com honra como tendo sido, na sua pureza, uma verdadeira revelação de Deus.

Traduzi-la pelas palavras "O Antigo Testamento", é obviamente errado, pois o "Antigo Testamento" é um termo cristão, aplicado a um corpo de documentos judaicos antigos, os Protestantes e os Católicos Romanos não estão inteiramente de acordo quanto ao número de documentos a incluir no cânone do "Antigo Testamento", usam o termo pôr contraponto com o "Novo Testamento", cuja composição discutiremos quando, mais adiante, falarmos do Injil (Evangelho).

Traduzir Tawrah pôr "Pentateuco", o termo Grego que significa "Cinco Livros" é igualmente incorreto. Estes são os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, conhecidos pôr Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio e contêm uma narrativa lendária e semi-histórica sobre a história do mundo, desde a Criação até à chegada dos Judeus à Terra Prometida.

Neles existem belíssimos idílios, mas também histórias de incesto, fraude, crueldade e traição, que nem sempre foram reprovadas. Grande parte da Lei de Moisés baseou-se nesta narrativa, embora, tradicionalmente, os livros sejam atribuídos a Moisés (que a Paz esteja com ele), o certo é que não só não foi ele quem os escreveu, como também não foram escritos, nem no seu tempo, nem num apreciável período depois dele.

Provavelmente, a atual compilação, na sua presente forma, foi feita após o regresso dos Judeus do Cativeiro de Babilônia. Sabe-se que o decreto de Cyrus, que permite este regresso, é de 536 a.C. (Antes de Cristo). Alguns livros agora incluídos no Antigo Testamento, tais como os de Ageu, Zacarias e Malaquias foram, provavelmente, escritos depois do regresso do cativeiro, sendo o de Malaquias de 420-397 a.C. Os compiladores do Pentateuco usaram, é claro, material antigo: presentemente, parte deste material está classificado, os termos egípcios e caldeus correspondem a relíquias das culturas locais e a documentos da época.

Mas existem igualmente alguns enganos absurdos, o que mostra que os compiladores nem sempre compreenderam o material com que estavam a lidar, entre os documentos de diferentes datas usados pêlos editores, a crítica moderna distingue duas fontes distintas que serão, pôr uma questão de brevidade e de conveniência, denominadas (a) Jeovistas e (b) Eloistas, existem ainda variadas interpolações mais tardias, que umas vezes são coincidentes e outras não.

Racionalmente falando, o Livro de Josué, que descreve a entrada na Terra Prometida, deveria ser colocado em pé de igualdade com o Pentateuco; de fato, muitos escritores falam de seis livros, juntamente com Hexateuco (termo grego para Seis Livros).

A Apócrifa comporta certos Livros que não são admitidos como Canônicos na Bíblia Inglesa, não obstante terem sido recebidos pêlos primeiros Cristãos como parte das Escrituras Judaicas e, ainda, o Concílio de Trento (1545-1563 D.C.) ter reconhecido a maior parte deles como Canônicos.

A afirmação em 2 Esdras (cerca do século primeiro d.C) de que a lei foi queimada e de que Ezra (diga-se, cerca de 458-457 a.C.) recebeu inspiração para a rescrever é provavelmente verídica, no que se refere ao fato histórico de que a lei estava perdida e de que a que temos atualmente não é anterior a Ezra, sendo boa parte dela bastante posterior.

Até aqui temos vindo a falar da perspectiva Cristã do Antigo Testamento. Qual será a perspectiva Judaica? Os Judeus dividem as suas Escrituras em três partes:

1- a Lei (Tawrah);

2- os Profetas (Nebiim);

3-os Salmos (Kethubim);

As palavras árabes correspondentes seriam:

1- Tawrah;

2- Nabiyin;

3- Kutub;

Esta divisão era provavelmente comum, no tempo de Jesus (que a Paz esteja com ele),  em Lucas 24:44 :

''E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos profetas , e nos Salmos.''

E em Mateus 7:12 :

''Portanto o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque está é a lei e os Profetas.''

Jesus refere-se à Lei e aos Profetas como a um resumo de todas as Escrituras, no Livro do Antigo Testamento, II Crônicas 34: 30 lemos:

''...e ele leu aos ouvidos deles tidas as palavras do livro do concerto, que se tinha achado na casa do Senhor.''

A referência ao Livro da Aliança deve referir-se à Tawrah ou Lei original, isto é interessante, pois o Alcorão Sagrado refere-se freqüentemente ao Livro da Aliança com referência aos Judeus, os recentes termos cristãos "Antigo Testamento" e "Novo Testamento" substituem os antigos termos "Antiga Aliança" e "Nova Aliança".

Os Samaritanos, que afirmam ser os verdadeiros Filhos de Israel e repudiam os Judeus como sendo cismáticos, a partir da sua Lei de Moisés, apenas reconhecem o Pentateuco numa versão ligeiramente diferente da que consta no Antigo Testamento.

A perspectiva do Criticismo é radicalmente destrutiva, Renan questiona-se mesmo quanto ao fato de Moisés  ( que a Paz esteja com ele) poder ser um mito, existiram duas versões da História Sagrada que, embora diferentes no que respeita à linguagem, estilo e espírito, foram associadas numa única narrativa, no reinado de Hezekiah (727-697 a.C.), formando a maior parte do Pentateuco na sua forma atual e excluindo a maior parte do Deuterónimo e do Levítico.

Aproximadamente em 662 a.C., no reinado de Josué, alguns padres e escribas, juntamente com Jeremias, o profeta, promulgaram um novo código, fingindo que o tinham encontrado no Templo, foi esta Lei (Tora = Tawrah) que serviu de base ao Judaísmo, a nova religião então fundada na Palestina e que foi ainda completada com a Tora sacerdotal e Levítico, compilados sob a inspiração de Ezequiel, aproximadamente em 575 a.C., encontrando-se principalmente no Levítico com pequenos fragmentos espalhados pelo Êxodo, Números e Livro de Josué.

Embora duma forma geral aceitemos os resultados de um exame científico aos documentos, com as suas probabilidades e datas, rejeitamos o pressuposto, que cremos ser falso, nomeadamente que Deus não envia Livros inspirados através de Profetas inspirados, acreditamos que Moisés existiu; que foi um homem de Deus, inspirado; que transmitiu uma mensagem que posteriormente foi desfigurada ou se perdeu; que Israel tentou, pôr várias vezes, reconstruir essa mensagem; e que a Tawrah, tal como o conhecemos, não é (tendo em conta a afirmação em 2 Esdras) anterior à segunda metade do século V a.C.

Embora não existam quaisquer manuscritos hebraicos do Antigo Testamento que possam, com certeza, ter uma data anterior a 916 d.C., supõe-se que a Torah primitiva estivesse em Hebreu antigo, entre os Judeus, esta língua deixou de ser falada durante ou depois do Cativeiro e, à medida que nos aproximávamos da época de Jesus (que a Paz esteja com ele), os Hebreus mais cultos usavam a língua Grega e os outros usavam o Aramaico (incluindo Sírios e Caldeus), o Latin ou dialetos locais.

Existiram ainda versões em Árabe, para efeitos históricos, as versões mais importantes são a grega, conhecida como Versão dos Setenta, e a latina, conhecida como Vulgata, a Versão dos Setenta foi, supostamente, preparada pôr 70 ou 72 Judeus (em Latim, septuaginta = setenta) trabalhando independentemente e em alturas diferentes, tendo sido atribuída à mais antiga a data aproximada de 284 a.C.

Foi esta versão que os Judeus de Alexandria e os Judeus helenizados usaram e difundiram pôr todos os cantos do Império Romano, a Vulgata, que era uma tradução do Hebreu para o Latin, executada pôr São Jerónimo, o celebrado Pai da Igreja Cristã, no princípio do século V d.C., tomou o lugar das antigas versões em Latim. Nem a Versão dos Setenta, nem a Vulgata têm um texto absolutamente fixo ou certo, o presente texto da Vulgata, tal como é aceite pela Igreja Católica Romana, foi emitido pelo Papa Clemente VI (1592- -1605 d.C.).

Veremos, portanto, que não existe nenhum texto clássico do Antigo Testamento na sua forma hebráica, de fato, as diversas versões diferem umas das outras, não só em pormenores insignificantes, mas também nalguns aspectos importantes.

O Pentateuco é, só pôr si, apenas uma pequena parte do Antigo Testamento, encontrando-se na forma narrativa e incluindo as leis e ensinamentos associados ao nome de Moisés (que a Paz esteja com ele), no entanto, foi provavelmente compilado e editado no século V a.C, pôr Ezra, a partir de fontes anteriores (ou Esdras Arábico, 'Uzair).

Tal como Renan refere no prefácio da sua História do Povo de Israel, a "constituição definitiva do Judaísmo" apenas pode ser datada a partir de Ezra, os Cristãos mais antigos dividiam-se em dois grupos.

Um, o dos Judaizantes, pretendia continuar a aderir às leis e costumes judaicos, porquanto reconhecesse a missão de Jesus (que a Paz esteja com ele).

O outro, o da Cristandade, liderado pôr Paulo, rompeu com os costumes e tradições judaicas e acabou pôr vencer, mas ambos reconheciam o Antigo Testamento na sua forma da época numa ou noutra das suas versões como Escrituras.

O mérito do Islam foi salientar que as escrituras não tinham qualquer valor, embora reconhecesse em Moisés (que a Paz esteja com ele), um mensageiro inspirado, e considerasse a sua Lei original como tendo validade no seu tempo, até ser substituída.

Na crítica à posição judaica diz-se, com efeito, o seguinte: "Haveis perdido a vossa Lei original; e não haveis seguido honestamente, nem mesmo a Lei que tendes como substituta; não será melhor, agora que tendes entre vós um Mestre inspirado, segui-lo, em vez de discutir acerca de textos incertos?"

Mas, na altura do Profeta; e desde então, os Judeus seguiam, em grande parte, ou o Talmud, ou um corpo de exposições orais reduzido à escrita em diferentes escolas de doutores e homens de saber; o termo "Talmud", em Hebraico, tem como raíz a palavra árabe, Tilmidh, que significa "discípulo" ou "estudante".

Os Talmudistas pegaram nos textos divergentes do Antigo Testamento e, interpretando-os com base num conjunto de comentários tradicionais e conhecimentos lendários, os transformaram num corpo uniforme de ensinamentos.

Para nós, os Talmudistas têm um interesse especial, porque, no século VI d.C., exatamente antes da pregação do Islam, desenvolveram o Massorah, que pode ser considerado como o corpo autorizado do das tradições Judaicas, em relação ao qual se encontram referências, em passagens dirigidas aos Judeus, no Alcorão Sagrado.

A primeira parte do Talmud denomina-se Mishna uma coleção de tradições e resoluções preparadas pelo Rabi Judah, pôr volta de 150 d.C., que sumariou uma grande quantidade de escritos rabínicos anteriores, o Mishna é a "Segunda Lei". Em Mateus 23: 4, lemos.

"Atam fardos pesados e difíceis de transportar, e põem-nos aos ombros dos homens"  Mateus 23: 4.

Existiram ainda entre os Judeus numerosos Targuns ou paráfrases da Lei. A raíz de "Targum" está relacionada com o Árabe Tarjama, que significa "ele traduziu", houve muitos Targuns, sobretudo em Aramaico, e serviam para o ensino da Lei às massas do povo Judeu.

A tradução correta de Tawrah é, portanto, "A Lei", está Lei foi, na sua forma original, promulgada pôr Moisés (que a Paz esteja com ele) e, embora se tenha perdido antes da pregação do Islão, este reconhece-a como tendo sido um Livro inspirado. Aquilo que os Judeus conheceram pôr "A Lei", no tempo do Profeta, correspondia a uma grande quantidade de escritos tradicionais que se tentou rever neste apontamento.

 

Deixe um comentário

Está a comentar como convidado. Login opcional abaixo.